
Como destacamos no nosso post anterior, a cultura fast gera impactos perceptivos em nossos hábitos alimentares, o que acaba por exigir de toda a cadeia relacionada (agroindústria, empresas de delivery, entregadores, consumidores e ambiente) uma postura igualmente acelerada e competitiva, pressionando ao limite as pessoas envolvidas em todas as etapas bem como o meio ambiente. O tema não é novidade. Em 1986, o jornalista italiano Carlo Petrini, em protesto contra a abertura de uma franquia do McDonald’s em plena Piazza di Spagna, no centro histórico de Roma, distribuiu pratos de macarrão penne às pessoas que se mobilizavam no local, em alusão à cultura e diversidade gastronômica (marca registrada da cultura italiana) em contraste à padronização e universalização dos lanches servidos pela rede de lanchonetes americana. Três anos depois, o jornalista e representantes de outros 15 países assinaram na Europa o Manifesto Slow Food, que prega o lema de que o alimento deve ser “Bom, Limpo e Justo”, ou seja, o alimento deve ter sabor e aroma naturais, “fruto da competência do produtor e da escolha de matérias primas e métodos de produção” (bom), o ambiente tem que ser respeitado (limpo) e a “justiça social deve ser buscada através da criação de condições de trabalho respeitosas” (justo).
A cultura fast, contudo, não se restringe ao universo gastronômico. Ainda mais agressiva ao ambiente e por vezes cruel, a indústria da moda, movida também pelo ímpeto do consumo baseado na visão do descartável e do efêmero, se tornou sinônimo de poluição e de injustiça. O relatório “A New Textiles Economy: Redesigning fashion’s future” da Fundação Ellen MacArthur, mostra que a indústria têxtil, mantido o ritmo atual, será responsável por 26% das emissões totais de carbono até 2050. Esta tendência, mostra o relatório, está diretamente relacionada com a mudança nos hábitos de consumo. A quantidade média de vezes que uma roupa é utilizada antes de ser descartada se reduziu em quase 36% em 15 anos em termos globais (na China a redução foi de 70%). Tal comportamento, por sua vez, acompanha a velocidade do lançamento de novas coleções e redução nos preços, principalmente pelo modelo de negócios dos grandes varejistas globais, como Zara e H&M.
Diante disto, e inspirada pelo movimento slow nascido na Itália, a professora e pesquisadora da University of the Arts London, Kate Fletcher, cunhou o termo Slow Fashion, apresentado em seu livro SUSTAINABLE FASHION AND TEXTILES: DESIGN JOURNEYS. Na obra, a autora define:
“Slow fashion diz respeito a desenvolver, produzir, consumir e viver melhor. É sobre combinar ideias relacionadas a um senso de tempo da natureza (de ciclos de regeneração e evolução), tempo da cultura (do valor das tradições e sabedoria), bem como os tempos da moda e do comércio. Enfatiza a qualidade (do ambiente, da sociedade, das condições de trabalho, dos negócios, produtos etc.). Então slow neste contexto não é o oposto de fast – não há dualismo – é simplesmente uma abordagem diferente na qual designers, compradores, vendedores e consumidores estão mais atentos aos impactos dos produtos nos trabalhadores, nas comunidades e ecossistemas.” (tradução nossa).
Equilíbrio é a palavra-chave por trás do conceito do Slow Fashion. Ao mesmo tempo que reconhece a importância da moda na nossa cultura, defende a urgência de uma agenda sustentável. Neste sentido, o movimento estimula o desenvolvimento de produtos versáteis e com expressão simbólica (moda), desenhados para serem duráveis e com apego emocional, isto tudo visando uma utilização mais duradoura e, consequentemente, sustentável das peças.
O conceito de sustentabilidade, claro, inclui a defesa de processos produtivos que minimizem o uso de recursos naturais e que garantam condições justas de trabalho.
O Slow Fashion já é tema de discussão na alta costura, tendo sido tema de matéria da Vogue Itália no final do ano passado. No texto, a colunista faz a seguinte reflexão:
“Uma questão muito complexa, mas também uma meta que surgiu com urgência durante a pandemia: todos nos deparamos com a necessidade de desacelerar, parar e refletir também no que diz respeito à moda: precisamos realmente de todos esses itens em nosso armário? A resposta que demos e que daremos fará a diferença para o futuro do planeta.”
A matéria cita ainda projetos voltados ao uso consciente de nossas roupas como o projeto WearMe30Times, de iniciativa das marcas Maakola, de Ghana, e a suíça Genuine Way. O desafio foi aberto a quaisquer marcas, às quais seriam conferidas etiquetas com QR Code, por meio das quais seus clientes poderiam, por um aplicativo, postar nas redes sociais o uso das mesmas roupas em 30 momentos diferentes, com intervalos maiores do que 24 horas entre as postagens. Pode não parecer muito, mas de acordo com os autores do projeto, o tempo médio de vida de uma mesma peça no guarda-roupa de uma mulher é de 5 semanas.
O texto acabou se estendendo, mas esperamos que tenha valido a pena dar uma desacelerada para ler e refletir sobre o tema, em especial com a filosofia Slow Fashion, com a qual a Omerah se identifica e por meio da qual nossas coleções são pensadas e produzidas. Falaremos mais sobre isso num próximo post. 😊